ORTODOXOS Rabino Nilton Bonder |
|
|
||
Quais as diferenças básicas entre os ortodoxos e não ortodoxos ? Como enxerga a sociedade multi-étnica que vem se construindo em Israel ? Como conviver com as diferenças ? E no Brasil, no Rio, como os judeus religiosos convivem com as diferenças ? A ortodoxia é um produto do mundo moderno tanto quanto os movimentos
liberais. É uma reação a transformação
profunda do mundo neste último século. A ortodoxia busca
o cumprimento fiel dos princípios do judaísmo demonstrando
grande intransigência em relação a tudo que é
novo. Os não ortodoxos acreditam que é princípio
fundamental do judaísmo o próprio processo de mudança
e de renovação. A lei judaica é conhecida como "halachá",
literalmente: "a caminhada". É sobre esta "caminhada"
que versam a discórdia entre ortodoxia e não-ortodoxia.
Para os não ortodoxos a "caminhada" dos ortodoxos é
uma "parada" e para os ortodoxos a "caminhada" dos
não-ortodoxos é uma "corrida". A crença
não-ortodoxa segue a frase de Rav Kook: "que o antigo se renove
e que o novo se santifique". E as mulheres, elas tem tratamento diferente de acordo com a linha religiosa. Você é muito conhecido pelo seu comportamento "progressista". Na sua sinagoga as mulheres conduzem serviços, colocam tefilin, kipá. Fale sobre isso. O tratamento dado as mulheres no que tange a espiritualidade está
centrado em práticas sociais em muito ultrapassadas para grande
parte dos judeus. Repito respeitar opções de vida que se
assemelhem a estruturas sociais do século passado ou retrasado.
No entanto, não acho que as novas relações sociais
sejam "diabólicas" e acho que merecem atenção
e que influencia a própria prática religiosa. Em relação ao casamento misto, qual é a sua posição ? (ouvi dizer que o ortodoxismo não só é encontra, como também não reconhece). Não acho que esta seja uma questão de se ser contra ou a favor. Ser a favor me parece tão intrusivo e inadequado quanto ser contra. O desejo dos judeus é de preservar sua tradição. Querer isto é legítimo e apropriado. Se a tradição judaica é tão baseada na estrutura da família temos aí um problema. Mas apenas um problema. Temos que aprender a lidar com este problema gerando condições para que as famílias de casamento misto que queiram ter acesso à tradição judaica o tenham. Devemos aprender a redistribuir a responsabilidade de continuidade para outras áreas fomentadoras de cultura e tradição. As sinagogas, escolas, atividades juvenis, o próprio Estado de Israel ou mesmo outras instâncias familiares como os avós ou tios, podem conjuntamente reafirmar a identidade mesmo num lar onde não haja unidade na origem da tradição. E conversão ? (As pessoas costumam falar que as conversões que você realiza, não são aceitas pelos movimentos fundamentalistas. É verdade ? Por que ?). E homosexualismo, como o judaísmo lida com essa questão ? Sim não são aceitas, mas o que isto significa? A maioria das sinagogas do mundo, hoje, não são ortodoxas e os ortodoxos compõem cerca de 20% da população judaica. Nossas conversões são aceitas juridicamente pelo Estado de Israel e por 80% dos judeus do mundo. O problema maior é que as pessoas identificam na figura e na fala da ortodoxia uma legitimidade que ela tem apenas parcialmente; como nós a temos também. Uma das bênçãos do judaísmo é a descentralização do poder clerical. Onde uma comunidade legitima algo baseado em uma forma de interpretação da tradição, pode escrever, é legítimo. A não aceitação das conversões não se baseia em disputa da lei judaica. Baseia-se no fato de que a ortodoxia não reconhece outras formas de praticar-se o judaísmo. Como reconheceria uma pessoa que se converte a esta forma de prática? O Rio de Janeiro, ao contrário de São Paulo, é um lugar de vanguarda, um local, onde talvez pela geografia (praia, clima etc), que costuma quebrar, interferir nos costumes tradicionais. Além disso, estamos vivendo a era da "globalização", a era "sem fronteiras", a não ser a social é claro! Qual o segredo para manter a tradição, neste contexto ? Qual o seu maior desafio ? Ao contrário do que imaginamos as pessoas prezam suas raízes. Quando encontramos formas de harmonizar as raízes com práticas que sejam relevantes às questões da vida, quando tradição não é apenas um instrumento de opressão e convencimento, há grande interesse. Portanto não é difícil manter a tradição, o que é difícil é suportar toda a carga quem muitos depositam nestas relações que são sempre sociais. Não nos esqueçamos que tradição é sinônimo de experiência comunitária. E não há nada mais rico e opressor do que as trocas comunitárias. A religião é uma preciosidade garimpada por séculos de reflexão e experiências. São os seres humanas que são de difícil "digestão". Não acho difícil fazer as pessoas se interessar pela tradição mas acho difícil faze-las suportar o peso da experiência comunitária. Fazer desta experiência mais light, onde haja mais tolerância e apreciação ao invés de critica e intrusão é o desafio. No Rio existem poucas escolas judaicas (em muitos casos a própria comunidade recorre às escolas não judaicas, além disso algumas escolas judaicas permitem alunos filhos de casamentos mistos, independente de conversão, e inclusive alunos não judeus). Como o sr. vê este tipo de comportamento por parte das escolas judaicas ? Dentro deste contexto como é possível educar as crianças dentro da tradição ? Como é essa escola ? Quer falar sobre a questão das meninas nas escolas judaicas (Bat Mitzvá) ? As escolas como todas as áreas comunitárias deveriam estar envolvidas num grande e constante debate sobre os desafios de um mundo mais aberto, sem fronteiras e universalista. Como preservar identidade neste contexto é que é a questão. Não acredito que a questão para a grande maioria dos judeus seja como deter esta tendência da atualidade da qual todos fazemos parte. Infelizmente este debate mais amplo não existe. Sem ele as formas se enrijecem e mesmo uma tradição milenar, acostumada a desafios de sobrevivência, se expõe a graves perigos. Qual a diferença básica entre as correntes liberais,
conservadoras e ortodoxas ? Existem muitos movimentos liberais no Rio,
quais os principais ? A comunidade judaica nos Estados Unidos cunhou estas três denominações:
Reformistas (liberais), Conservadores e Ortodoxos. Existem várias
outras correntes menores. Estas três talvez dêem uma compreensão
quanto a velocidade na qual a tradição se deixa moldar pelo
mundo externo e pela evolução da sociedade. Os reformistas
dão peso maior às mudanças do que à tradição;
os Conservadores trabalham com uma composição 50/50%; e
os Ortodoxos dão peso bastante maior à tradição
do que à evolução social. Se fossemos fazer uma comparação
com o mundo dos investimentos, diríamos que os reformistas efetuam
investimentos arrojados, com grande risco para a identidade. Os Conservadores
seriam moderados. Já os Ortodoxos evitariam este risco pelo investimento
sempre bastante cauteloso. Pareceria assim que a Ortodoxia é a
melhor forma de preservar a tradição. Mas não nos
esqueçamos (e todo investidor sabe disto) que a "segurança"
hoje pode ser a ruína de amanhã. Aquele que investe na certeza,
que não trabalha com riscos, desconhece o fato de que a vida é
dinâmica. Recursos "seguros" e parados são alvo
fácil para serem devorados pela inflação ou pela
caminhada da vida. Por isto a lei judaica se diz uma "halacha",
uma caminhada. O que não caminha, se desfaz. O tempo corrói
tudo que não se renova e não se transforma. Defina o que é ser judeu e o que é judaísmo.
Existem muitos judeus que se assumem como judeus, mas não são
religiosos, não acreditam em D'us, ou estão ligados a outras
religiões, seitas. Podemos tentar definir os judeus sem ser por parâmetros da religião institucionalizada. No entanto, temo que definir os judeus sempre irá tangenciar questões espirituais e existenciais. Os judeus são buscadores. Esta é a razão de tantos judeus vinculados a outras tradições sapienciais ou espirituais. Quando eles não encontram uma forma de dar vazão a isto em sua própria tradição e religião, têm necessidade de extravasa-la de alguma forma. Assim os judeus se fizeram em massa socialistas e comunistas quando esta pareceu uma opção viável para transformar o mundo; se envolveram com a psicanálise como uma religião para aliviar o sofrimento e a opressão humana e assim por diante. Todo o judeu é um individuo passional e em alguma área de sua vida há uma dedicação "religiosa" a algo. Seu desejo de se "re-ligar" é a herança atávica deste grupo. A proposta de Abraão não era tão esotérica e, com certeza, não era obsessiva em relação a qualquer prática. Ele é herói, pois sai da casa de seu pai, abandona a cultura do momento e investe num futuro que será a sua terra prometida. Romper com as violências do passado é tão parte da herança de Abraão quanto honrar este passado. Ouvi dizer que no último fim de semana foi promovido um encontro para reativar o Grã-rabinato no Rio de Janeiro ? O que é, para que serve o Grã-rabinato e como será integrado ? É um projeto de toda a comunidade judaica, que inclui representantes liberais, conservadores, além dos ortodoxos ? Estas idéias clericais de hierarquia são expressão
de um desejo de controle e de poder. A tradição de Israel
aprendeu a duras penas que todo o clero organizado é um convite
a adulterar a proposta sincera de uma tradição espiritual.
A institucionalização é sempre motivada pelo desejo
de poder, nunca pela realização exclusiva de um trabalho
espiritual. O judaísmo rabínico, feito não de grãos-rabinos,
titulados e empastelados de medalhas, mas de sapateiros, alfaiates e carpinteiros
que conheciam sua tradição, é uma das mais belas
conquistas do judaísmo. Sonhar com um Vaticano judaico é
não perceber o peso e o custo destas instituições.
Todo o grão-rabino não passa de um funcionário publico
a serviço sabe-se lá de que causas. |
MENU |