A FAMÍLIA NO SEC. XXI

Rabino Nilton Bonder


 

 

O século XXI traz o inédito desafio de um mandamento cultural na contramão daquele vivido pela primeira família: "crescei pouco e não multiplicai". Isso é vivido não só na esfera intelectual de um mundo densamente populado e com graves problemas de fadiga, mas principalmente pela expressão econômica que esta realidade gera. A competitividade e o aumento do custo relativo em todos os níveis para se ter filhos está mudando profundamente a família. Não é difícil perceber esta realidade biológica ou esta lógica da vida em nosso dia a dia. O casamento tardio, as famílias alternativas (das chamadas "produções independentes" às relações homossexuais), os vários casamentos (transformando casamentos em formas de namoro) e tantos outros fenômenos são indicativos da perda funcional da família em seu aspecto biológico.

Esta mudança nos fundamentos da família afeta também (e não ao contrário!) os papeis culturais dos homens e das mulheres. Os homens se vêem num processo reverso aos últimos milênios quando desenvolveram mais do qualquer outra espécie "um investimento paternal" desconhecido na natureza. Seu papel na sobrevivência dos filhos se tornou "maternal" na medida em que a família o fez indispensável. O século XXI desenha um homem mais dispensável e traz o desafio de recriar sua função e imagem em meio à cultura. A mulher, por sua vez, busca outra forma de ocupação e valorização que não seja apenas concentrada na maternidade. Esta projeção da mulher em outros setores da cultura é também uma profunda revolução.

Tudo isto apontaria para um fim da família como a conhecemos. No entanto, há forças distintas e poderosas no sentido contrário também. A virtualização das relações, o desenraizamento dos indivíduos e a própria competitividade rendem um valor importante aos laços de família. É extremamente atual a inveja daqueles que "não tem família" em relação aos que "tem família". E o sonho do casamento, não por motivos de formação de família, mas de encontrar estabilidade está "em alta".

Acredito que o século XXI é o início de uma guinada na definição da família e de seus objetivos. De regra biológica fundamental ela está se tornando regra social -- a tribo mínima e essencial em tempos de multidão e de solidão. Seja como for, a família foi indiscutivelmente o mais importante instrumento de sobrevivência para espécie humana. Suas transformações não representam o desejo de descarta-la como tal mas, ao contrário, fazer com que se torne ainda eficaz. Afinal o modelo antigo da família - que objetiva procriar e ser núcleo segregado de solidariedade - parece não estar dando conta de seu histórico papel de ajudar o ser humano a sobreviver.

 

 
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