MASCULINIDADE Harry Brod
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Todas as minhas identidades - como homem, judeu e feminista - exigem de mim uma total aliança. Elas não se referem a papéis isolados, que podem ser justapostos a outros que assumo na vida. Cada identidade engloba uma visão do todo. Minha vida só terá um significado integrado, ao invés de ser um apanhado de experiências fragmentárias, se eu conseguir uni-las numa identidade multifacetada. E então, o que significa alegar uma identidade como um feminista judeu masculino? Só posso lhes oferecer uma resposta preliminar, porque considero que a integração destes pontos de referência é um objetivo a ser alcançado. Este objetivo requer , por exemplo, que eu não permita que grande parte das críticas feministas à masculinidade tradicional ( mainstream) se desvie de minha cultura, mas, pelo contrário, me esforce para determinar como o feminismo se aplica aos homens judeus. O estereótipo do sujeito violento, grande bebedor, brigão, não faz parte da minha cultura. Entretanto, sua imagem análoga aparece quando os homens judeus praticam musculação intelectual, tentando destruir os argumentos, ao invés dos armamentos dos outros. O status do desempenho intelectual e não físico na cultura judaica produz um tipo de sexismo diferente do tradicional, um estilo no qual a intimidação de mulheres se dá mais comumente pelo intelecto pelo físico. As pretensões habituais masculinas à onisciência violam tanto a ética judaica quanto a feminista. Assim, tento minar a mística da autoridade masculina praticando o que chamo de "notas de rodapé verbais", dando crédito às fontes de minhas idéias e de informação sempre que possível. Precisamos separar os pontos positivos dos negativos nas tradições judaicas. As masculinidades judaicas oferecem muitos modelos [positivos. por exemplo, um aspecto da tradição enfatiza o fato de que o homem que merece ser honrado como o pai real de uma criança, não é seu pai biológico e nem o provedor de bens materiais, mas aquele que educa a criança em termos de moral e valores. No entanto, a distancia masculina da vida familiar, outro aspecto da tradição, não só é opressivo às mulheres, pois as mantém presas ao lar, mas acarreta numa perda para os homens também. Em todas as tendências do judaísmo, exceto na reforma ( que recentemente optou por uma mudança controversa), o status legal da criança como judia ainda passa exclusivamente pela mãe. Isto nega que os homens tenham habilidade de cuidar de crianças e transmitir sua herança. Embora as relações de alguns homens com o feminismo tenham sido formadas a partir de uma reação contra ele, para outros as críticas feministas do patriarcados servem para explicar muito de suas próprias vidas. As mulheres parecem estar desenvolvendo um novo sentido de solidariedade, enquanto que nós homens , ainda continuamos a nos relacionar competindo uns com os outros dentro dos padrões tradicinais. Será que os homens também não poderiam se beneficiar de um reexame das expectativas sociais sobre eles? Embora algumas pessoas vejam o feminismo como um fator divisivo da comunidade judaica, eu vejo ao contrário: a comunidade já está dividida por limites aos gêneros e danificada pelo sexismo. O feminismo nos oferece a única esperança de nos unirmos a uma base sólida. (...) Os homens judeus sempre tentaram compensar seu poder menor em relação aos outros homens exercendo autoridade sobre "suas" mulheres. Na vida judaica institucionalizada, isso toma a forma, por exemplo, de exclusão das mulheres de rituais e do ofício de rabino, de não contar as mulheres no minian, de desigualdades no divórcio e em outras leis, de um reconhecimento inadequado do trabalho voluntário da mulher e muitas outras injustiças identificada pelas feministas judias. Nas relações interpessoais, esta autoridade sexista é exercida quando os homens judeus pressionam as mulheres judias para casar e ter filhos, diminuem suas habilidades, inteligência, beleza e sexualidade em comparações desfavoráveis às mulheres não - judias, e relegam as mulheres à preparação e limpeza de refeições festivas sobre as quais os homens presidem. Um feminismo judaico que elimine esta falsa válvula de escape para pressões anti-semitas só pode fortalecer a comunidade judaica, revelando sua força intrínseca ao integrar as mulheres e permitir que os homens enfrentem os obstáculos reais a serem transpostos. O feminismo masculino afasta as pessoas de um modelo político baseado nos "grupos de interesse", no qual as questões de um grupo são vistas competindo sendo comparadas com as questões do outro grupo e as aproxima de uma visão política mais transformativa, inclusiva e mais poderosa. Isso pode ajudar a demonstrar a interconexão entre as diferentes formas de opressão. Um envolvimento ativo por parte dos homens judeus com o feminismo demonstra a analogia de que "você não precisa ser judeu" para tornar as questões judaicas uma prioridade sua. Um feminismo judaico masculino também precisa dar atenção às questões espirituais. Como o feminismo afeta a espiritualidade judaica? (...) A espiritualidade feminina tem profundas implicações para os homens. Qualquer que seja a concepção pessoal de espiritualidade, teísta ou não, é senso comum que a espiritualidade envolve algum tipo de autotranscendência. Meus argumento é o de que. a não ser que a pessoa conheça a si própria intimamente, sua prática espiritual tenderá à reprodução e não à transcendência do seu self (como a pessoa é). As barreiras impostas pelos próprios homens à intimidade, à auto-revelação (falar de si) e à renúncia (entrega) em suas relações pessoais vão interferir e inibir as tentativas de reza do homem, a não ser que ele se esforce conscientemente para ultrapassar estas barreiras através do feminismo. Os privilégios sociais, políticos, legais e econômicos que os homens têm como grupo só são possíveis por um preço pessoal muito alto. Para tomar o exemplo mais citado, a injunção de que "homem de verdade não chora" é suficiente para imaginarmos todas as pressões de desempenho às quais o homem é submetido... misture isso com inibições que não permitem que estas pressões sejam ventiladas de nenhuma forma curativa para produzir a receita da sociedade para todas as doenças ligada à tensão, das quais os homens sofrem de maneira desproporcional... Mas as razões pelas quais os homens continuam a sofres esta dor muito real só se tornam compreensíveis se percebermos o poder que esta repressão emocional lhes confere. Ao negar informações sobre si ( o self), a pessoa "fica por cima". Ao aparentar ser mais racional, a pessoa parece ser mais apropriada para exercer a autoridade. Os homens adotam comportamentos autodestrutivos não por serem maus ou estúpidos, mas porque a sociedade faz parecer que é de seu interesse agir assim, ao conferir um poder muito real aos que se conformam a estas normas. Assim, a única de ganhar-se a capacidade de curar a dor masculina é incapacitando o poder masculino. A espiritualidade, na maioria das concepções, exige um delicado equilíbrio entre dois aspectos. Como disse Jonathan Omer-Man recentemente em Wresling with the Messenger: A Conference on Jewsh Men's Spirituality (Lutando com o Mensageiro: Uma Conferência sobre a Espiritualidade Judaica Masculina), a espiritualidade é ao mesmo tempo o máximo de afirmação do self - "o caminho para chegar a uma versão otimizada de mim mesmo/a"- e o máximo de perda e imersão da self da pessoa face a algo muito maior. Muitos têm achado útil a análise que Carol Gilligan ( In a Different Voice) e outros fizeram , sugerindo que os homens vivenciem o mundo mais em termos de categorias de separação e independência, o que é demonstrado na tendência a construir leis ba seadas em direitos que delimitam a fronteira entre o self e os outros, enquanto que a experiência das mulheres é mais centrada no cultivo de ligações e interdependências, construindo suas relações morais baseadas nos cuidados com os outros. A partir dessas histórias diferentes, os homens têm mais dificuldade em vivenciar relacionamentos e as mulheres a auto - afirmação, tanto no caminho secular quanto no espiritual. É nesse contexto que considero as espiritualidades masculina e feminina distintas. Não é preciso postular algum dualismo máximo metafísico ou religioso para reconhecer simplesmente o desenvolvimento histórico diferenciado das culturas feminina e masculina, assim como eu falar de um judaísmo feminista masculino não deve ser entendido como se eu estivesse querendo postular dois feminismos judaicos, um masculino e outro feminino. Em última instância, não deve haver nem dois feminismos nem dois judaísmos, pois afirmar estes dualismos seria o mesmo que validar precisamente as dicotomias que estamos tentando ultrapassar. Apesar disso, dados nossos legados históricos, torna-se apropriado, de vez em quando, destacar os diferentes caminhos pelos quais grupos diferentes podem chegar a compartilhar um entendimento comum e utilizar uma terminologia diferenciada para fazê-lo. Um novo judaísmo feminista nos ajudaria a compreender como a visão tendenciosa sexista vem determinando quais os aspectos da nossa tradição que merecem prioridade e quais têm sido marginalizados. Considere, por exemplo, a noção central da aliança obrigatória (brit). Este é um dos princípios fundamentais que sublinham toda a estrutura da lei e éticas judaicas, que consideram mais meritório obedecer a um mandamento divino que fazer o que é simplesmente voluntário. Mas uma vez que contratos e obrigações sejam vistos meramente como valores, em vez de serem ideias intrínsecos ou necessariamente normativos para a estrutura dos relacionamentos, outros princípios latentes no judaísmo podem vir à tona. Por exemplo, o princípio de que várias leis podem e devem ser quebradas para salvar a vida de uma pessoa é reconhecido na lei judaica, mas geralmente tem sido interpretado de modo a significar uma exceção embutida na própria estrutura das regras em si, que relaciona as regras umas às outras de uma forma hierárquica ou meta-estrutural. Entretanto, talvez o que é manifestado aqui não seja uma regra que limita as outras, mas os primórdios de um sistema ético alternativo no judaísmo que dá menos valor à lei como lei e mais valor a relacionamentos voltados para a vida. Além de uma dinâmica psicológica mais ampla, eventos específicos do ciclo de vida dos homens como a circuncisão, a puberdade, o envelhecimento e vários outros pontos de transição no self social de cada um, todos pedem por uma nova consciência masculina. (...) Tudo isso e muito mais fazem parte de um feminismo judaico de,
por e para homens. HARRY BROD é editor de A Mesch Among Men : Explorations in Jewish Masculinity ( Crossing Press, 1988), de onde estes trechos foram retirados. Presidente Fundador da National Men's Studies Association, é um ativista junto à National Organization for Changing Men. Atualmente, é um Liberal Arts Fellow na Harvard Law School. |
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