OBSERVÂNCIA

Rabino Nilton Bonder


 

 

A maior crítica que as tendências não -ortodoxas sofrem é a de terem confundido espaço sagrado e o espaço profano. Ao fazer do discernimento o mestre absoluto nas questões religiosas, perdeu-se o senso de mandamento. A cultura, a tradição e o rito passaram a ser submetidos à vexaminosa acareação com a razão. Aqueles costumes e práticas que dispunham de um álibi para a modernidade seriam poupados, desde que estivessem sempre acoplados à sua razão de ser racional. Feitos cidadãos de segunda categoria num mundo de outras categorias, as convenções e práticas religiosas viveram sob a pressão do iluminismo.

Insensível ao fato de que as sombras compõem a experiência humana, o desejo de iluminar tudo fez da própria noção de sagrado uma vítima óbvia de tal conduta. O sagrado não é claro; é por natureza os contornos do próprio limite, não podendo ser visto sem véus. Desvelá-lo é, portanto, trazê-lo para o território profano de domínio e manipulação e descaracterizá-lo de sua essência, fazendo-o instrumento de prospecção humana onde os sentidos e a razão humana não podem ser instrumento.

O significado da observância reside no ato de entrega a uma cultura. Observar é preservar a cultura não só pelo seu aspecto curioso, pela policrônica estética da biodiversidade, mas principalmente porque nelas estão codificadas a forma de enfrentar a experiência (não a razão) de um dado grupo. Sua riqueza é absoluta - é texto, e não ver-são.

No entanto, a cultura não pertence ao passado. Ao ser experimentada e vivenciada, caminha (faz caminho - halachá) por entre as gerações e é por elas defratada e refratada.

O primeiro fenômeno expressa a maneira particular de cada geração experimentar a prática da observância de maneira distinta das outras. A segunda expressa até mesmo o direito de não observar, sem que isto seja uma decisão da razão mas da própria cultura.

Não observar, como um extremo, é até onde pode ir o ato da observância, desde que uma geração produza o senso de mandamento percebido em não observar o que um dia era observado.

Na verdade, nada é obsoleto, mas a linguagem e a vivência da prática mudaram.
Mudaram com a influência de um judaísmo sefaradita, de um judaísmo cabalista e de um judaísmo chassídico, para falar de momentos mais próximos.

Hoje urge uma desmasculinização do ritual e uma redefinição de um etnocentrismo que seja pluralista. E urge primordialmente o retorno à observância.

A observância é a alma, e não a matéria da fé judaica. Ela é o elemento comandado, o aspecto sagrado.

 

 
MENU