Parashá REÉ- Prédica do Rabino


Parashá Reé - Prédica do Rabino
"Veja, Eu hoje coloco diante de vocês a benção e a maldição"

A parasha desta semana começa enfatizando um sentido bastante depreciado na perspectiva judaica – a visão. "Ver para crer", por exemplo, é uma expressão que não faz o menor sentido desde a perspectiva da fé. A fé é por definição a postura que temos diante do que não vemos.

Os comandos de D’us estão sempre vinculados ao sentido da escuta – ve-im shamoa tish’meun (e se verdadeiramente me escutares) ou a senha judaica do Shemá. Por que estaríamos recomendados a "ver" nesta parashá?

Não é por acaso que esta parasha está no ciclo da Sefirot (emanações divinas da árvore da vida) no que classificaríamos de chessed she-be-malchut. Chessed – compaixão – é a perspectiva do "self", do "eu" que espera ter suas necessidades e sonhos atendidos. Malchut -- o mundo concreto –, ao contrário do que pensamos, é a essência do que não tem conteúdo próprio, do que apenas reflete o conteúdo diante dela. Malchut é o reflexo de luz que permite-nos ver. Este mesmo reflexo que se elevado à sua potência máxima torna-se um espelho.

Neste dia D’us coloca diante de Israel o que há de mais visível na experiência humana. Por visível, devemos compreender aquilo que percebemos que não é a essência, mas um reflexo desta. A benção e a maldição são os elementos mais "visíveis" da experiência existencial humana. Toda a benção e toda a maldição são leituras humanas que só fazem sentido ao "self". Ver é, portanto, a maior expressão de uma "percepção individualizada", contextualizada na mais profunda experiência de um indivíduo.

Por isto no terceiro parágrafo do Shemá, D’us alerta para que não sejamos ludibriados por nossos olhos. Tudo o que é visto, só o é unicamente por quem o vê. É uma experiência totalmente individualizada, muito diferente do sentido popular "ver para crer". Quem vê está no mundo dos reflexos e qualquer coisa que venha a crer neste mundo significará crer em algo que não é real, que não possui essência. Crer, por sua vez, é não ver e significa estar-se diante não dos reflexos mas das essências.

A leitura chassídica deste versículo introdutório da parashá rompe com o sentido literal e recomenda que seja lido assim: "Veja Eu, coloco diante de vocês…". O sujeito do verbo "ver" seria o "eu". Saiba ver o "eu". Saiba reconhecê-lo e desmascará-lo como sendo o instrumento de ver os reflexos e não as essências.

Compreender as distorções que o instrumento "eu" proporciona é reconhecer que o mundo de malchut (concreto) e de chessed (compaixão) juntos são um profundo mergulho no mundo sem luz própria. Este é acima de tudo o mundo do poder ilusório.

Neste recente filme Independence Day o planeta terra é invadido por alienígenas agressivos e beligerantes. Entre a chuva de jargões que nele são apresentados há um de grande interesse para nós. A terra é salva pela atuação de dois estereótipos combinados: o negro valente e o judeu sagaz. Mesmo entendendo que a intenção foi das melhores, talvez até exageradamente tendenciosa, uma espécie maligna de pró-semitismo, há um erro absoluto em compreender o judeu. Este erro é talvez dos mais comuns e populares.

Os judeus não são nem inteligentes, nem mais inteligentes. Os judeus são geneticamente uma mistura riquíssima das mais diferentes raças. Há judeus caucasianos de olhos azuis como há judeus de pele escura. Um espectro de raças perpassa a população judaica. É impossível apontar qualquer hegemonia racial a este grupo que provavelmente se miscigenou em alto grau.

A grande especificidade dos judeus esta numa cultura que chama atenção constantemente para não se temer o que se vê. Os alienígenas mais poderosos não apavoram os judeus porque estes já foram invadidos e já tiveram seu mundo destruído inúmeras vezes, sem que isto representasse o fim do mundo.

Por judeu deveríamos compreender todo aquele que não acredita no poder, nem de homens nem de instituições. Não há humano, por mais poderoso, que não se dobre. Não há expressão alguma neste universo a não ser o Criador, que não se dobre. O mundo dos reflexos mais cedo ou mais tarde se desfaz.

O judaísmo é acima de tudo a crença no que não se vê. É a crença na essência.

Este universo é povoado por poderes e por diversos "eu". Ver o "eu" e compreender sua fragilidade é não mais temer o mundo externo – reflexo sem luz própria – e sim respeitar o mais profundo da essência de si e do mundo, origem absoluta da luz.

O judeu que não se curva é um modelo de super-homem que não deriva sua qualidade nem da coragem, nem mesmo da sua inteligência. É o sobrevivente por conta exclusiva de sua capacidade de desmascarar os reflexos e ater-se à essência.


PARASHÁ