Parashá SHOFTIM


Comentário de Sócrates Nolasco

SHEMA ISRAEL ADONAI ELOHEINU ADONAI ECHAD


4 Elul 5770

Parashá Shoftim – JUIZES

1) Juízes e oficiais designarás para ti em cada uma de tuas tribos, em todos os teus portões que o Eterno, teu D-us, te dá, e julgarão o povo com reto juízo" (Devarim 16:18).


2) "Não torcerás o juízo, não farás distinção de pessoas e não tomarás suborno" (Devarim 16:19).

3) "A justiça, e somente a justiça, seguirás, para que vivas e herdes a terra que o Eterno, teu D-us, te dá" (Devarim 16:20).

4) "Quando sitiares uma cidade por muito tempo, pelejando contra ela para tomá-la, não destruirá o seu arvoredo, metendo nele o machado, porque dele comerás" (Devarim 20:19).


TZEDEK, TZEDEK TIRDOF


Considerada por muitos comentaristas como a frase mais importante da Torah. Esta afirmação tem motivado muitas reflexões sobre o sentido de justiça, o comportamento do justo e das lideranças no Judaísmo.

Se a Torah não tem nenhuma palavra desnecessária, por que repetir justiça?
Existem comentaristas que dizem que o motivo poderia ter sido a gagueira de Moises. Esta afirmação foi refutada por outros que disseram ser Hashem quem falou a Moises e não o contrario.

Vitor Hugo escreveu que se rasparmos o juiz, encontraremos o carrasco. Não foi para encontrar o carrasco que HASHEM nos deu a Torah.

A idéia de justiça com justiça, se aplica as situações nas quais ela será posta em prática, bem como incide sobre a atitude do juiz ou de quem o representa.

Esta parasha fala sobre o que deve ser feito, e também COMO deve ser realizado. Não segundo a concretude da palavra, mas com um compromisso de coração, para que se fortaleça aliança firmada entre HASHEM e o povo de Israel. Uma aliança de firmeza e acolhimento.

Os homens julgam quando não entendem. Pois, onde há entendimento não é necessário julgamento. Julgar é uma forma de afastar o que cada um não compreende em si mesmo, o que assusta ou ameaça. É recorrente essa situação em “Lashonara”.

A rapidez com que o julgamento do outro ocorre, par a par com a morosidade que transcorre o julgamento de si mesmo, sinaliza que julgar o outro, corresponde à tentativa de por for a de si o que não é suportável manter dentro.

Quando Hashem ensina COMO a lei deve ser praticada, o faz porque sabe que é possível que ela não seja.

Foi necessário dizer que não se deve matar, porque Ele sabia que isso seria possível de acontecer. Para o que exige entendimento, há uma lei, para o que não é necessário, não. O obvio não precisa de lei. Água mata a sede.

A lei sem entendimento perde seu sentido. É o mesmo que construir barcos sem que existam pessoas para usá-los. São pelo menos dois os entendimentos sobre a Lei, este é um legado rabínico. E um não é mais verdadeiro que o outro.

Como a LEI NAO foi criada por quem a interpreta, as considerações feitas sobre ela são sempre parciais. Neste sentido, a interpretação auxilia a cada um conhecer mais sobre sua própria natureza, ela humaniza o interprete.

Antes de Hashem pedir a Abraão que levasse seu filho até Moriá, ele não sabia que poderia matar Isaac. Se tomarmos a lei ao pé da letra, veremos Hashem duro e severo, fazendo um pedido como este.

Assim, perderemos a oportunidade de compreender o que a lei revela sobre cada um. O que serve para identificar a dureza de HASHEM é a dureza que existe dentro de cada um. É o que nos leva a aplicar a lei apenas aos outros, roubando o lugar de Hashem, pois os deuses só são deuses porque não se pensam.

O dono da lei não precisa interpretá-la, Ele conhece a razão pela qual Ele a criou. Por conta da vaidade ou da ignorância, háintérpretes que demonstram incapacidade para perceber o sentido da lei em toda sua extensão. Eles driblam a própria limitação assumindo que a interpretação que fazem da lei é a própria LEI. Equivoco muito comum em leituras feitas ao pé da letra.

Rene Magritte, pintou uma tela na qual havia um cachimbo e abaixo dele uma frase, onde se lia: Isto não é um cachimbo. Se a interpretação da lei não é a LEI, assim como o desenho de um cachimbo não é um cachimbo, para que serve a interpretação?

Sabe-se quem é o juiz pelo julgamento que ele faz, e o interprete por sua interpretação. A lei de Hashem é absoluta, somente ela.

Qualquer interpretação é relativa, a verdade lhe escapa, pois esta ultima é quem deve inspirar interpretações e julgamentos.

Sabemos mais de Platão quando ele fala de Sócrates, do que de Sócrates.

Há uma tensão entre a lei e interpretação da lei, que pode ser aproveitada para enriquecer a experiência que cada um tem consigo mesmo e com o outro. A lei foi criada por Hashem para aproximar, e não para afastar ou dividir, como acontece com as leis dos homens. Da mesma maneira há uma tensão em ser firme, terno, duro e humilde ao mesmo tempo.

A este respeito, Rav Daichovsky, membro da Alta Corte Religiosa de Israel, fala que nela existem juízes que não ouvem o pedido de divórcio de mulheres, para escapar da situação de humilhação com seus maridos, por conta das perdas materiais que isto significaria para eles. Do mesmo modo, estes juízes são insensíveis a solicitação de conversão feita por 400 000 gentios, cidadãos israelenses, membros do exercito, que diariamente põe suas vidas em risco, nos combates que envolvem o estado de Israel.

A extrema dureza destes juízes põe em xeque o que determina a Lei: "Não torcerás o juízo, não farás distinção de pessoas e não tomarás suborno" (Devarim 16:19), bem como demonstra o quanto eles se distanciaram da Lei, se aproximando mais de suas interpretações sobre Ela.

Estes juízes são devotos de suas interpretações, e com isso inauguram uma nova forma de idolatria.

Nesta parasha, o que a tradição pede não é fácil para ninguém. Porém, deve-se enfrentar os desafios que Ela propõe e seguir em frente, ou se valer da dureza como uma defesa para proteger-se dos medos que os desafios causam.

A rigidez é uma característica dos medrosos, bem como a permissividade dos egoístas.

Para evitar cair nestes extremos, Maimônides usa uma passagem do Shemot /Êxodo (18:21) para apontar quem deveria ser esses juízes e oficiais: “você deve escolher dentre a nação inteira homens valentes, tementes a Deus, homens de probidade que odeiam lucro desonesto”, ao que Maimônides chamou de homem de valor.

O homem de valor é aquele que tem coragem para ser meticuloso a seu próprio respeito, na observância da Lei. Ele também é chamado de guerreiro valioso, porque tem coragem no coração.

Rav Sholomo Daichovsky diz que os juízes devem reconhecer o poder que tem, serem duros, mas também humildes.
Superficialmente, esta afirmação pode ser percebida como contraditória. Contudo, ela é um desafio que proporcionará o fortalecimento da aliança com HASHEM.

O rabino Dov Peretz Elkins, quando pensou sobre o desafio lançado pela Torah, de ser ao mesmo tempo duro e receptivo, fez uma comparação o nome SABRA.

Sabra é uma designação dada a todo aquele ou aquela que nasce em Israel. SABRA é também o nome de um cacto encontrado no deserto.
Ele tem duas características: é duro, seco e forte por fora e macio e com água por dentro. Uma grande nação, diz ele, pode agregar as duas características: firmeza e receptividade.

Elas só serão vistas como contraditórias por um coração que precisa se mantiver divido, mas integradas uma a outra se pensarmos no exemplo da fé de Abraão e da aliança feita entre ele e HASHEM.

Para falar da semelhança existente entre a metáfora do cacto e a parasha, ele citou o exemplo dos soldados israelenses rezando no KOTEL, uniformizados, com uma UZI pendurada no corpo, de talit, teflin e quipá. Firmeza e oração.

Não é um pedido qualquer ser forte e macio, orgulhoso e humilde, flexível e inflexível. Usualmente isto é um pedido que exige muito trabalho. Não foram muitos os lideres que agregaram as duas caracterizas. Mas temos alguns. Abraham Lincoln, por exemplo.

Lincoln, agregava a força do aço e a maciez do veludo, era duro como uma rocha e suave como a bruma. Ele era alguém que sabia gerenciar em seu coração e mente, para viver o difícil paradoxo da tempestade e da paz indescritível.

Este é o desafio lançado pela TORAH.

Se alguém tem medo da solidão, não tente ser justo.

Um pai que quer criar filhos ou filhas saudáveis, deve adotar as duas qualidades diante deles. Em inglês diríamos “tough love”, um amor resistente.

Trazer dentro de si duas características distintas, não seria uma contradição, mas um “blending”, um estado que só é possível conquistar com maturidade e sabedoria.

Cada ser humano precisa gerenciar em si mesmo, a passagem por três estados distintos ao longo de sua vida. O primeiro refere-se ao egoísmo infantil, o segundo a falta de self (eu) presente na adolescência e o terceiro a adultez. Ser adulto exige esforço, clareza, compaixão, compromisso e solidariedade. Deste modo, um pai poderá conduzir filhos e filhas para se tornarem adultos compassivos, generosos e criativos.

Um pai que tenha capacidade de demonstrar sua indignação quando necessário, expressando a raiva apropriada, sendo firme em um momento, carinhoso em outro, em face de dor de um filho, por exemplo, favorecerá que ele amplie sua capacidade de compreensão de uma nova verdade. Com isto, este pai auxilia seu filho a sair da condição de egoísta para se tornar um adulto maduro. Pais que se recusam a ser firmes com seus filhos estão privando-os de se tornarem adultos.

O senador George McGovern disse que os eleitores nos EUA procuram traços de força e resistência em um candidato.

Porém, ele admira presidentes como foi Jefferson, Lincoln e Wilson, por conta das características de cada um, a que ele chamou pregadores (preacher). A dimensão que McGovern denominou maciez, colocou estes homens no lugar de pastores, homens que alimentam seus rebanhos com ternura.

Um guerreiro valioso é aquele que é duro, firme, terno de coração. Um líder forte tem coragem para cortar o orçamento militar quando o país esta seguro, e investir o montante em lanche escolar para jovens que não tem recursos.

A campanha de Dianne Feinstein, para o senado pela Califórnia, adotou como eixo norteador a fusão dos dois gêneros. Ela se mostrava ao mesmo tempo firme, dura, cuidadosa e carinhosa quanto às necessidades do outro.

A ênfase dada nas peças publicitárias recaia sobre o E. ”Tough and Caring”, veludo envolto em aço.

“O forte gerando algo doce”. (Juízes 14:12-20), ou ainda, na voz do profeta Malaquias, a era messiânica seria aquela na qual os corações dos filhos se voltarão para os coração dos pais e vice-versa. Isto seria a consumação do processo iniciado pelo brit-milá, pois através da prática da Lei nos tornaremos homens de coração circunciso, que por amar a vida com vigor, coragem e alegria, deixaremos o mundo melhor do que o encontramos.

Shabat shalom umevorah


PARASHÁ