MAGUID
A História de Nossa Libertação do Egito

Traduzido de "LILITH", Spring/Summer de 1982


 

 

Introdução

A festa de Pessach tem sido utilizada por mulheres nos Estados Unidos, desde o início dos anos 70, como um modelo para a libertação das mulheres. No livro Jewish and Female, Susan Weidman Schneider (editora) conta como sua sogra saindo da cozinha da sinagoga, onde ela e outra mulheres se "arrebentaram" para preparar o seder comunitário, perguntou: "Rabino, foi para isso que nós saímos do Egito?" De fato, a história da libertação do Egito é uma história clássica de opressão e liberdade, com os paralelos óbvios em relação ao feminismo e outras lutas de libertação. Tal como as feministas contemporâneas, os israelitas primeiro tiveram que conhecer a natureza de sua própria opressão, após o que alguns deles ainda preferiam a escravidão que lhes era familiar à vida desconhecida e arriscada da liberdade. O trecho reproduzido a seguir faz parte da Hagadá Igualitária, de Aviva Cantor, originalmente publicada no periódico Lilith, spring/summer 1982.

A HISTÓRIA DA NOSSA LIBERTAÇÃO DO EGITO

Aviva Cantor

Esta narrativa, a parte central do Seder, pode ser lida por todos os presentes com cada um lendo um ou mais parágrafos.

Originalmente, Yacov e Lea e toda a sua casa foram para o Egito, porque havia fome em Canaã, a Terra de Israel. O Egito foi hospitaleiro. Iossef, o filho de Raquel e Yacov, havia recentemente subido ao posto de principal líder econômico do país e dado início a um programa destinado a evitar a inanição em massa naqueles anos de vacas magras. Os judeus tornaram-se importantes para a economia egípcia e acreditavam ter poder e influência suficientes para mantê-los em segurança para sempre.

Os judeus passaram a se sentir em casa no Egito. Por anos, e até séculos depois que a fome em Canaã já havia terminado e era possível retornar à terra, eles permaneceram no Egito, porque lá sua vida era fácil e confortável. Adotaram valores externos e se esqueceram o significado e viver em sua terra nata segundo seus próprios valores e sua herança, como um povo livre. E então, quando sua escravidão mental era completa, eles foram reduzidos à escravidão física.

Conforme mudaram os governantes no trono do Egito, o novo faraó achou que o papel econômico do judeus era marginal e insignificante. Ele preferiu ignorar as contribuições que Iossef e sua família haviam dado à sociedade egípcia. Ele precisava de trabalho escravo para seu império e considerou expediente fácil escravizar os judeus.

Os judeus não levantaram suas vozes ou sua mãos em protesto. O faraó desenvolveu a teoria de que os judeus eram uma minoria alienígena capaz de dominar o país ou de constituir uma "quinta coluna" no caso de um ataque inimigo. Ele deu início a uma política genocida: todo os bebês judeus do sexo masculino deveriam ser afogados e as meninas deveriam ser registradas e criadas como prostitutas. Mas os judeus não levantaram suas vozes ou suas mãos em protesto.

Foi somente após a morte do faraó que os judeus começaram a se dar conta da natureza de sua opressão. Até aquele momento, eles acreditavam que sua escravidão se dera só por causa de um rei malvado e que seriam libertados quando este morresse. Mas, quando o faraó morreu e sua escravidão continuou, ele começaram a entender que ela havia sido absorvida pelo sistema. Foi então que, pela primeira vez, eles reclamaram de sua opressão. Porém, ainda assim, não ergueram suas mãos em protesto.

Moshe, o homem destinado a liderar a luta de seu povo pela libertação, nasceu filho de Iocheved e Amram na época da política genocida. Sua vida foi salva por três mulheres: sua mãe, que o escondeu numa cestinha em meio às folhagens do rio Nilo; a filha do faraó, que o adotou como seu filho, e sua irmã Miriam, que deu um jeito de introduzir Iocheved como sua ama- de- leite no palácio. Moshe cresceu na corte, um judeu assimilado.

Porém, ele se sentiu compelido a buscar suas raízes. Observou os escravos judeus e sentiu-se um judeu. Um dia, viu um capataz egípcio espancar um judeu. Sua resposta foi imediata: matou o capataz. No dia seguinte, o escravo judeu ameaçou denunciá-lo e Moshe fugiu do Egito e tornou-se um exilado político na terra vizinha de Midian.

Casou-se com Tsipora e se dedicou a criar uma família, procurando esquecer o sofrimento de seu povo no Egito. Mas o destino de Moshe segui-o pelo deserto. Um dia, enquanto procurava por uma ovelha desgarrada, teve uma visão, a de um arbusto que queimava, mas não se consumia. Foi um sinal de que mesmo que o povo judeu fosse consumido pelas chamas, continuaria a viver e resistir, tal como os galhos do arbusto. Ele compreendeu que era hora de voltar para o seu povo.

Moshe, então, retornou ao Egito e requisitou a ajuda de seu irmão Aaron e de sua irmã Míriam. Num primeiro momento ele impressionou a liderança judaica. Os anciãos delegaram-lhe a tarefa de pedir ao faraó que deixasse participar de uma cerimônia religiosa, de três dias, no deserto. O faraó recusou. Os escravos entraram em greve. O faraó denunciou Moshe e Aaron como agitadores e ordenou aos capatazes que negassem aos escravos o aceso à palha com a qual ele faziam tijolos. Assim, o faraó agiu como um opressor clássico, apertando, ao invés de afrouxar, os laços da opressão aos primeiros sinais de insurreição. A liderança judaica, ao ser comunicada que as medidas eram conseqüência dos atos de Moshe e Aaron, voltou-se contra eles. Assim, agiram no padrão clássico dos oprimidos, os freqüentemente se voltam uns contra os outros, ao invés de se unirem contra o opressor. Nada do que Moshe ou Aaron dissessem produzia um impacto prolongado no faraó. Ele se mantinha impertubável aos apelos de justiça e misericórdia ou às ameaças de conseqüências terríveis. O faraó observava impassível seu mundo ser destruído. Sapos e gafanhotos infestavam a terra, o fedor de sangue subia dos rios e bolhas e piolhos cobriam a pele de seus súditos. Mas o faraó ainda não queria desistir do seu poder sobre os escravos.

Moshe compreendeu que, ao lidar com o opressor, não bastava apresentar exigências razoáveis ou mesmo criar distúrbios civis em massa. O opressor devia ser forçado a cair de joelhos. E assim foi que somente quando o primogênito do faraó morreu na Décima Praga, ele mandou os judeus saírem. Nossos ancestrais estavam preparados para esta contingência. Coletaram víveres dos egípcios em pagamento por 400 anos de trabalho escravo e então se mobilizaram de acordo com um plano e se puseram a caminho. O faraó, no entanto, mudou de idéia assim que as condições retornaram ao normal.

Rapidamente ordenou que carruagens e cavalaria fossem ao encalço e recapturassem os judeus, que a esta altura já estavam às margens do mar Vermelho. Os judeus olharam para trás e viram o exército de egípcios que haviam sido seus senhores até bem pouco tempo atrás. Embora contassem com 600.000 pessoas e os egípcios fossem só 600, ficaram com medo. Em meio ao pânico, voltaram-se contra Moshe, por haver trazido esse perigo sobre suas cabeças. As águas não se dividiram até que um homem, Nachshon, entrou no mar. Ao fazer isso, ele agiu como um ser humano livre, pronto a enfrentar todos os riscos pela liberdade. Assim ele se tornou um ser humano livre.

Somente depois que Nachshon e os outros que o seguiram fizeram o primeiro movimento de ruptura com a escravidão, foi que as águas se dividiram, permitindo aos judeus atravessar em segurança. A libertação de um senhor não é o fim da luta de liberação, mas somente seu começo. Durante os anos de escravidão, os judeus viam a si mesmos tal como o faraó os via - como vítimas, fracos, ineficientes, impotentes. Assim, embora houvessem arrancado seus corpos da escravidão, seus espíritos ainda estavam aprisionados. Eles estavam incertos de sua identidade, eram incapazes de confiar em si e nos outros, temiam os riscos e as responsabilidades. Não dispunham, portanto, de grande parte de sua energia. Não confiavam sequer nos líderes que escolheram. Por muitas vezes se arrependeram amargamente de ter trocado a segurança da escravidão pela insegurança e os perigos da liberdade. Muitas vezes eles eram consumidos por uma nostalgia pelos " bons tempos" da escravidão. Eles não retornaram à escravidão no Egito, mas também não podiam seguir rumo à auto determinação na Terra Prometida. Toda a geração de escravos (com apenas duas exceções) vagou pelo deserto por 40 anos, incapaz de achar o caminho da autolibertação. Porém a geração seguinte, nascida na vida precária do deserto, livre dos valores perniciosos da sociedade egípcia, das lembranças dolorosas e dos medos da escravidão, era independente de corpo e alma. Ela deu o salto para a liberdade foi para a Terra Prometida. A experiência de escravidão, contada por seus pais e avós, deixou uma marca profunda em sua consciência. Isso lhes deu um profundo entendimento do valor da liberdade e um compromisso apaixonado para com a justiça , que eles incorporaram à Torá, a lei judaica. Juraram lembrar que os judeus foram um dia escravos no Egito e contar a história da nossa libertação uma vez por ano- assim como nós fazemos agora , ao redor desta mesa.

 

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