Neste espaço oferecemos
os textos de nosso querido moré Benjamin Mandelbaum z"l.
Convidamos a todos a usufruir de sua riqueza e legado.
Eles estão divididos em 3 categorias: Textos Gerais, Letras e Números
e Poesias.
Para acessá-los, clique no link desejado.
Segue texto publicado por Paulo
Blank no Jornal do Brasil sobre Benjamin.
A
amendoeira floresceu
Paulo
Blank
Tem gente que quando pára de sonhar pensa que ficou maduro. FHC
e Lula precisaram declarar que nada tinham com o esquerdismo juvenil do
passado para virarem confiáveis ao Senhor dos Mercados. Chamemos
de esquerda e direita, mal e bem, pouca diferença faz, desde os
tempos bíblicos sabemos que a guerra humana se trava entre egoísmo
e compaixão. Lembrar disto pode facilitar as coisas para quem costuma
perder o rumo entre linhas de livros ou salas de aeroportos. Benjamin,
de quem falei na última crônica, era exemplo de uma geração
generosa que, se não tomou o poder em surdina, foi fazendo seu
caminho, mantendo o coração aberto e batalhando sonhos na
ação diária. Benjamin Benja Benjoca Beija Flor Mandelbaum
Amendoeira era homem de muitos nomes, enorme coração e membro
honorário da tribo dos doces e insistentes bárbaros.
Quem tiver em casa a primeira edição do Os carbonários,
do Alfredo Sirkis, verá na capa um cara baixinho, foto borrada
pra manter o anonimato. É ele, o Benja. Judeu de Madureira, rompido
com a religião e depois místico, amante do samba, médico
psiquiatra, psicanalista, psicoterapeuta reichiano, mestre em filosofia
e entendedor dos mistérios da Árvore da Vida, cultos afros
e astrologia, apresentou-se em seu livro de Cabala da seguinte maneira:
''Os trópicos brasileiros me possibilitaram uma miscigenação
holística''. Genial avaliação de uma vida que define
bem o que de melhor existe neste Brasil. Miscigenação holística
vai do racial ao mundo das idéias, anunciando a possibilidade de
uma nação que nossos governantes não estão
à altura de perceber e que teremos de construir apesar deles.
Benja contava que redescobriu Deus num exercício de Terapia Bioenergética.
Deitado de costas sobre uma espécie de cavalete, o peito aberto
para o céu, esticado até a alma, foi ficando por ali, enganando
os limites de sua própria resistência. Lá pelas tantas
bateu o desespero criativo. Em sua solidão, em vez do pânico,
relaxou encontrando a segurança na entrega, redescobrindo a Fé
maiúscula. Transformou, como dizia, humilhação em
humildade. Iluminou-se. Deus foi para ele a suprema experiência
de entrega. Deus era palavra maior que transcendia os limites estreitos
e espertos das crenças institucionalizadas. Do oriente a Jesus,
fluindo para a religião judaica, a Cabala, Benja soube viver a
miscigenação holística com o mesmo objetivo humanista
que o conduziu à capa do Carbonários. Um verdadeiro Justo,
aquele a quem a Cabala chama de Fundamento do Mundo, encontro de águas
diversas, como diziam os Sábios. Benjoca nunca esqueceu de saber
que a alma só se salva no coletivo do mundo. Era, verdadeiramente,
um encontro de águas diversas.
As perdas são súbitas, já a falta se eterniza lentamente,
esculpe o tempo enquanto saudade até que um dia a memória,
palavra por palavra, acaba de construir a morada da ausência. Benja
nos deixou no mês do Carnaval e agora, perto do Natal de que tanto
gostava, se aproxima a sua segunda partida. No próximo domingo,
dia 14, às 11h, no Cemitério Comunal Israelita do Caju,
terá lugar o ato de descobrimento da lápide tumular do Benjamim
Mandelbaum, de abençoada memória. Cumpriu-se o prazo que
a religião em sua sabedoria dá ao homem para construir a
passagem da violenta ruptura da perda ao eterno tempo da ausência.
O ritual manda que se leia o Salmo 119, onde os versículos estão
alinhados pela ordem alfabética do hebraico. O oficiante recita
cada versículo seguindo a ordem das letras que compõem o
nome. Passo a passo, o nome de Benja se dissolverá dentro do Salmo
ressuscitando nas orações, entregando-se a Deus e à
linguagem dos homens. Renata, sua mulher, mandou escrever no túmulo
''A Amendoeira Floresceu''. Que seus frutos, doces e bárbaros,
permaneçam entre nós.
Um bom domingo cheio de vida.
pauloblank@jb.com.br
[07/DEZ/2003]
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