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TORÁ E O PESSEGUEIRO David Lev |
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Traduzido de "NEW MENORAH", no 13, julho de 1988. E, assim, Deus o expulsou do jardim do Éden, para cultivar o solo do qual foi retirado...Ele expulsou o homem e colocou ao leste do jardim do Éden os k'ruvim e a espada chamejante que se volvia continuamente para guardar o caminho da Árvore da Vida..." ( Gênesis 3:23-24) Rabi Mordechai perguntou:" 'O caminho da Árvore da Vida'- a que alude esta passagem? Ela se refere à Torá, como está escrito etz chaim hi." Rabi Levi perguntou: "Como é isso? A Torá foi dada a Adam enquanto ele ainda estava no jardim? Está escrito Moshe Kibel Torá miSinai (Moshe recebeu a Torá no Sinai)- Moshe e não Adam; Sinai e não Éden - e, de qualquer forma, será que nós devemos interpretar um verso das Escrituras de forma a negar o significado mais simples do texto? "Rabi Avram replicou: "Nós temos só que dar
uma olhada nas palavras dos sábios para ver que a santidade é
ampliada através da interpretação da Torá.
" Ao que Rabi Levi exclamou: "O quê? Então o Rabi
Mordechai diz que a Torá não é imutável?!
Se a Torá não é imutável, então como
pode o mundo continuar a existir?! Ele resolveu perguntar a Rabi Po o significado deste verso e o encontrou meditando no jardim dos pessegueiros, aos quais Rabi Po se referia como suas "árvores da vida". "Como pode-se prever todas as coisas se nos é dada a liberdade?" ele perguntou . Rabi Po permaneceu em silêncio por um longo tempo e então disse: "Está escrito, 'cinqüenta portões de conhecimento foram criados e todos foram Transmitidos a Moisés exceto um'. Você pede para compreender o que está além do 50o portão; saiba que dos quatro que entraram no jardim, somente a Akiva foi dado este conhecimento. Você busca ser maior que Akiva?" Rabi Po olhou dentro dos olhos do discípulo penetrantemente antes de continuar. "E no entanto eu posso ver que você não ficará em paz até que eu aponte o caminho; muito bem...", disse ele, "pegue um pêssego da árvore". Rabi David o fez rapidamente. "Eu sou velho, assim como meus amados pessegueiros"' disse Rabi Po. "Logo virá um vento de inverno e soprará na grande árvore no centro do jardim - a árvore que é o avô de todas as outras árvores. Um dia eu também vou morrer e ser enterrado na terra. Embora eu não seja adivinho, eu sei que vou morrer um dia, pois o milagre da morte está contido no milagre da vida assim como cada um dos meus pêssegos contém um caroço. "Abrindo o pêssego em dois, Rabi Po perguntou ao seu discípulo. "O que você vê dentro do pêssego?" "Um caroço", respondeu Rabi David. "E o caroço é o mesmo ou é diferente em essência do pessegueiro?", perguntou Rabi Po. "Ora, eles são diferentes, claro!", exclamou Rabi David. Rabi Po fitou serenamente seus pessegueiros, com se já esperasse por tal resposta. Após fazer uma pausa longa o suficiente para que seu silêncio se fizesse sentir, ele disse: "Ambos olhamos para o caroço do pêssego, você só vê um, porém eu vejo muitos. Você vê este que é , enquanto que eu olho e vejo, não só este, mas os outros que podem advir dele. Pois de plantar esta semente e cuidar dela direito, ele não crescerá com o tempo e se tornará um pessegueiro? E eu não posso dizer isso sabendo que é da natureza do caroço se tornar um pessegueiro, o qual irá, por sua vez, produzir pêssegos contendo caroços como este que seguro agora na mão? E assim, isso sendo verdadeiro, não é a essência do caroço a mesma da árvore e vice-versa?" "Eu não entendo muito bem", disse Rabi David. "Como isto me ensina sobre o significado da frase de Rabi Akiva?" "Venha e aprenda", disse Rabi Po. "Assim como o caroço do pêssego contém a fragrância da flor e a doçura da fruta, assim cada fim está contido em seu começo e a essência do todo pode ser encontrada em todas as partes." "E o amargo do caroço?", perguntou Rabi David. "Até mesmo isso", replicou Rabi Po. Disse Rabi Avram para Rabi Levi: "Os sábios de antigamente nos mostravam que a Torá existia antes da criação. É desta Torá que falamos quando dissemos 'etz chaim hi', isto é, a Torá no Gan Éden. "Rabi Mordechai disse: "" Fique bem entendido que a Torá que Moshe recebeu no Sinai foi uma dentre o número infinito de manifestações desta Torá maior." Rabi Avram continuou: "Também está escrito 'ki Torá me iti tetze'(2), quer dizer, 'no futuro a Torá virá através de mim'." Disse Rabi Levi:" Você está dizendo que há duas Torot?! Não está escrito 'Tora achat ihie lachem? '"(3) Rabi Mordechai respondeu em nome de Rabi David HaNazir: "A Torá é revelada de formas diferentes em cada um dos mundos da criação por suas manifestações primordiais como uma vestimenta para o ein-sof e terminando com a Torá tal como é lida na terra. Da mesma forma, a Torá única aparece de formas diferentes nos diferentes shmilot ou os ciclos cósmicos da criação. Portanto, ela não inclui as mesmas leis e proibições que lemos hoje em dia, pois foi ajustada integralmente ao estado humano antes da expulsão do Éden. Da mesma forma, em eras futuras a Torá vai se despir e novamente aparecer de uma forma puramente espiritual, quando as letras assumirão novos significados espirituais. Na sua existência primordial, a Torá já continha todas as combinações de possibilidades que pudessem vir a se manifestar, de acordo com os atos do ser humano e do mundo. Se não fosse por Adam e seus atos errados, suas letras haveriam de se combinar de modo a formar uma narrativa inteiramente diversa. Nos tempos messiânicos vindouros, portanto, revelará novas combinações das letras que levarão a um conteúdo completamente diferente." Rabi Avram: "Está claro que as palavras 'derech etz há haim'(4) referem-se à Torá primordial que foi negada a Adam. Esta Torá permanece no jardim , guardada pela espada chamejante que se volve continuamente. De tempos em tempos, aqueles de grande mérito obtem a permissão de vislumbrar esta Torá, que é recusada ao mundo por causa de seus pecados. Nos tempos messiânicos os K'ruvim (querubins) abrirão o portão oriental e a luz desta Torá brilhará resplandescente por sobre todo mundo. Esta é a hora da qual se diz "Pois a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o mar (5)." Isto é, o mundo terá a plenitude da sabedoria divina, o que significa que a Torá eterna não mais será escondida de nós." David Mordechai disse: "V'zot há tora asher sam Moshe'(6), isto é, 'esta Torá e não aquela', o que nos vem ensinar há uma distinção entre a Torá Eterna, a qual Moshe não recebeu e a Torá Criada, a qual ele recebeu." Disse Rabi Mordechai: "Isto eu aprendi de meu mestre, a Torá Eterna é como o caroço de um pêssego, contendo em si uma árvore coberta de flores fragrantes, todas as quais, por sua vez, podem se transformar em pêssegos, cada qual contendo a semente que pode em si criar uma outra árvore. Por isso a Torá é chamada de "Arvore da Vida', pois infinitas gerações de Torot ( plural de Torá) criadas estão contidas nela." Rabi Avram disse: "Todo pessegueiro tem que em alguma hora envelhecer e morrer. Quando isso acontece, uma nova árvore surge e cresce. Entretanto, a essência da árvore e da fruta permanece a mesma. Esta Torá é Antiga e no entanto é sempre nova, é eterna e no entanto é sempre mutável. Diz-se que a cada 70 gerações a Torá se renova. Isto significa que uma Torá nova criada é plantada no mundo humano a cada setenta gerações. "Rabi Mordechai disse: "Conta-se a estória de que uma vez Rabi HaNazir estava estudando no beit hamidrash (casa de estudo) de Rabi Shikma quando ele teve uma visão. Nesta visão ele contemplou um jardim e nele havia uma piscina de águas claras, que brilhavam iridiscentes com as emanações da shechiná. Conforme Rabi David continuou a observar, ele viu uma mulher muito velha , enrugada e encurvada, que se arrastava claudicantemente até a piscina. Ele ficou imaginando quem seria ela, pois ela lhe parecia estranhamente familiar, embora por mais que tentasse não conseguia localizá-la. Após algum tempo ela chegou ao seu destino e entrou na piscina, primeiro até a cintura, depois até os ombros e finalmente até o topo de sua cabeça e desapareceu nas águas. Após alguns minutos um arco-íris enorme cobriu de repente , e suas cores eram as mais brilhantes que Rabi David já havia visto. Assim que olhou para a piscina novamente , ele observou uma jovem mulher vibrante emergindo das águas, envolta num magnífico talit (manto de orações) de luz. Ela caminhou graciosamente, e com o que pareceu a Rabi David um grande senso de propósito, em direção ao portão de saída do jardim. Em poucos minutos ela tinha se ido e uma bat kol gritou. 'É hora da septuagésima geração!' Foi então que Rabi David entendeu sua identidade. 'É verdade', ele pensou, 'ela é realmente Antiga e no entanto sempre nova'." No dia seguinte à visão de Rabi David, o velho Rabi
Po morreu enquanto meditava em seu jardim de pessegueiros. Naquela noite,
veio um vento forte e soprou sobre a antiga árvore no centro do
jardim, e naquele mesmo lugar Rabi Po foi deitado para descansar. Na primavera
seguinte, seus alunos plantaram um pessegueiro ao pé de sua sepultura
e , nos anos seguintes - como se conta -, a árvore produziu os
pêssegos mais deliciosos, cada qual com seu caroço. Notas 1 Rabi David HaNazir gostava de estudar textos taoístas! SOBRE O AUTOR Rabi David Lev é graduado da Escola Rabínica Reconstrucionista e atualmente serve como Rabino no Templo Beth Shalom, em Palm Coast, na Flórida, EUA. O autor expressa seu reconhecimento e gratidão à série de televisão Kung-Fu, de onde ele derivou elementos para a metáfora. Publicado originalmente na New Menorah, novembro de 1988, órgão do Movimento de Renovação Judaica na Filadélfia (Pnai or).
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