MESSIANISMO E PRÁTICAS DE HERESIA Rabino Nilton Bonder |
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Este artigo foi inspirado num
pequeno incidente. Fui procurado por uma pessoa que viajara aos Estados
Unidos e me trazia um folheto de uma sinagoga que visitara. A pessoa em
questão achara o folheto interessante e um bom modelo para a divulgação
de uma sinagoga. Quando tive oportunidade de ler com mais atenção
o tal folheto, vi que não se tratava de um informativo de uma sinagoga,
mas de um templo do grupo que se auto-denomina Judaismo Messiânico.
Tal grupo, que já conta com instituições no Rio e
em São Paulo, se apresentam como judeus que vêem em Jesus
o Messias e no Novo Testamento uma fonte canonizada. O intolerável é sempre uma medida muito interessante.
Representa a transgressão de uma fronteira que na verdade só
se define claramente ao ser cruzada. Infeliz do tolerante que não
conhece esta dimensão e que, portanto, não pode se perceber
na condição de alienado. Quando duas ou mais tradições se encontram em espaços ecumênicos seu tratamento mútuo não consegue ultrapassar a dimensão da tolerância. São tradições tratadas com uma mesma deferência, são parte de um mesmo, e como diferentes partes de um mesmo só podem se tolerar. Se, por outro lado, este encontro se dá na dimensão do outro, na linguagem ou no espaço do outro onde não se pode ter qualquer dúvida de que o outro é o outro, então há espaço para a apreciação. Ou como a cultura idische diz melhor, mais rápido e mais barato do que qualquer filosofia: "se eu sou eu porque você é você e você é você porque eu sou eu - nem eu sou eu e nem você é você; mas se eu sou eu porque eu sou eu e você é você porque você é você, então eu sou eu e você é você e nós podemos conversar." Se eu sou eu porque você é você e vice-versa então o que mais podemos almejar é a tolerância. Se eu sou eu porque eu sou eu e vice-versa, então é possível apreciar-nos e enriquecer-nos com nossa conversa. No ecumenismo é facilmente discernível os espaços onde se pratica a diplomacia e onde se pratica o enriquecimento no diálogo. Surge hoje nas grandes capitais onde há presença judaica o cada vez mais visível Judaísmo Messiânico. Este grupo se assume como parte da fé judaica que reconhece Jesus enquanto Messias e pratica o judaísmo em sua forma cultural e tradicional. Tem corpo de judeu - propõe-se as mitsvot, circuncisão, kashrut, shabat, tefilá, chama seu mentor espiritual de rabino e sua casa de orações de sinagoga - e alma cristã - fala de Ioshuah, o salvador que trouxe nova luz e faz uso de livros que não fazem parte do cânone judaico. Há sem dúvida um canto de sereia no ar e um desafio em particular para aqueles que toleram. Não tolerar este tipo de grupos não seria legitimar o não reconhecimento dos grupos mais tradicionalistas e radicais que não toleram qualquer outra prática que a sua ortodoxia? Não tolerar não significa experimentar o mesmo tipo de reação legítima, portanto, destas ortodoxias? Acredito que não. Este grupo não é um mesmo diferente, é um outro. Poderia ao assumir isto ser até mesmo da dimensão da apreciação - poderia haver muita conversa. Sua perversidade é dizer-se parte de um mesmo para um grupo minoritário como são os judeus, com um longo passado de submissão à catequeses e até mesmo ao proselitismo violento, e em profunda transformação de sua identidade. É hora dos tolerantes serem profundamente coerentes com sua essência e exercerem sua intolerância. É um momento profundo de expressar-se não como um alienado ou um indiferente. É momento de resistir às tentações da indiferença que se dissimulam na tolerância e que não reconhecem que o judaismo é uma melodia. Não acredito ter que ser a única melodia - sem possibilidades de conversas - mas é uma melodia própria. O judaísmo suporta qualquer jazz mas não o desafinar. Triste a história deste grupo que ao invés de fazer jazz a partir da tradição cristã, vem desafinar o judaísmo. É suspeita esta necessidade de fazer-se um mesmo sendo-se um outro. Esta falta de transparência parece atender a um mercado das confusões mais do que abrir novas perspectivas melódicas a este mundo tão necessitado delas. Ao mesmo tempo é este um momento importante para os judeus de conhecer suas próprias fronteiras. Bom este momento para lidar com nossas patologias. Que o liberal tolerante conheça suas intolerâncias e que o tradicionalista intolerante conheça suas verdadeiras tolerâncias. Que os ditos Judeus Messiânicos despertem para o ato de agressividade que cometem ao se fazerem partes de um mesmo e que busquem o diálogo do diferente com aqueles que dizem respeitar - os judeus. Que a tradição cristã não se rejubile nesta manifestação religiosa como a cristianização dos judeus, mas que a compreenda como uma variante cristã em busca de suas origens. Cabe ao Cristianismo um ato de tolerância para com os seus, com mais um movimento dentro de suas fronteiras. Se a Igreja do passado não tivesse se compreendido como um mesmo, mas como um outro do judaísmo, se não tivesse se olhado pela ótica da cristianização dos judeus ou da transformação do velho em novo seja em testamento ou em mensagem, teríamos sido mais outros e teríamos conversado muito mais. A heresia não é da dimensão do outro, mas do mesmo. Reforçar as identidades, fazer-se mais outro, é o caminho da paz e da apreciação. Que cristãos sejam mais cristãos, que judeus sejam mais judeus, em particular assumindo a sua legítima diversidade. "E naquele dia D'us será Um e Seu Nome Um" é o dia das muitas melodias que se apreciam. Não será o dia do enfadonho canto uníssono, nem do canto atravessado dos mesmos que são outros. Será o dia em que a diferença for sagrada e a indiferença uma heresia. |
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