HOMOSSEXUALISMO RABINO NILTON BONDER |
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Reflexões sobre a questão da
aceitação de rabinos homossexuais pelo Movimento Reformista nos Estados
Unidos Na sociedade americana, ou melhor, na sociedade americana das grandes cidades, existe uma discussão em marcha sobre a questão da homossexualidade. Não que ela não exista em outras sociedades, mas nesta ela existe não enquanto uma questão teórica. Devido às características desta sociedade, cultua-se um valor de respeito a todas as formas de vida que não ponham em risco os direitos e a integridade de outros cidadãos. Neste contexto, grupos marginalizados buscaram resgatar e afirmar sua identidade. Entre estes grupos, os judeus. Entre estes grupos, os homossexuais. Um conjunto bastante distinto do outro, mas, perante estes valores de respeito, conjuntos semelhantes. Tão semelhantes, que na ausência destes valores ambos os grupos foram perseguidos e compartilharam de campos de concentração. Os judeus homossexuais não podiam entender o incentivo a assumir sua identidade, e a proposta de empreender uma luta pelo reconhecimento de quem eram sem temores ou vergonha, como sendo algo que dizia respeito apenas ao aspecto "judeu". Poder usar uma kipá na rua e querer ser aceito nas suas diferenças tem implicações maiores do que apenas os outros aceitarem as NOSSAS diferenças. Alguém poderia dizer: mas não há diferença entre o aspecto "judeu" e o aspecto "homossexual"? Do ponto de vista humano, não. Do ponto de vista moral, para muitos, não. Do ponto de vista do judeu heterossexual, com certeza, sim. Do ponto de vista da tradição, que foi produzida em grande parte por este grupo, sim. Do ponto de vista Divino, no que tange as leis da Tora, também sim. Cá estamos com mais uma destas questões em
que o ponto de vista humano e o ponto de vista Divino se chocam. Nada
mal: se bem encaminhadas, estas questões geralmente apontam para questões
importantes Não há nada mais complicado do que a diferença. Talvez porque seja impossível estabelecer alguma relação humana com a diferença pensando ou racionalizando. Diferença ou você conhece e permite a convivência ou será sempre um universo desconecto, diferente. Não me refiro às diferenças que não são diferenças, são o mesmo de outra maneira tolerável. Digo da diferença que impede a paz, da diferença que não permite a justiça. Diferenças que nos confundem em sua característica contraditória: temos que aprender a encontrar semelhanças para podermos ver a diferença. temos que tornar próximo para poder tornar humano. Uma das falas favoritas dos rabinos de Iavne era ( Ber.17a): "Eu sou uma criatura de D'us, e meu vizinho é também uma criatura de D'us. Eu trabalho na cidades e ele trabalha no campo. Eu acordo cedo para meu trabalho e ele também acorda cedo para seu trabalho. Da mesma maneira que ele não pode superar-me com seu trabalho, eu não posso superá-lo com meu trabalho. Você diria que eu realizo grandes obras e ele pouco importantes? Nós aprendemos que não importa se uma pessoa fez muito ou pouco, contanto que dirija seu coração aos céus!" O Talmude esta nos dizendo que podemos nos alienar do próximo por ser um diferente. Podemos olhar o mendigo como um não-humano, podemos olhar o soldado inimigo como não-humano. Podemos olhar o homossexual como não humano. O homossexual é um diferente. Não o diferente estereotipado que conhecemos de nossa cultura, que é diferente por ser extravagante, exibicionista ou inconveniente, e que, na verdade, como qualquer heterossexual com estas características, seria hoje percebido como o "machão", o "molestador" ou o "sedutor intruso". Digamos que estamos falando de homossexuais como seres humanos, de homossexuais que querem ir ai "shul"( ou "shil" dependendo da origem deste homossexual), que diferem quanto a sua visão religiosa, alguns ortodoxos, alguns liberais, alguns chassídicos; homossexuais que tal qual heterossexuais dirigem seus corações aos céus. Grupos de homossexuais criaram em varias cidades americanas sinagogas: em Nova Iorque ( The Gay Sinagogue), em Washington ( Bet Mishpachá), em São Francisco, em Boston e também em Los Angeles. Sinagogas onde se agruparam judeu que tinham uma formação ortodoxa ou uma formação liberal e em muitos casos judeus assimilados. Sinagogas em separado, pois não eram aceitos em outras sinagogas a não ser que escondessem parte de sua identidade. Sinagogas onde pudessem falar a mesma língua, tal qual os alemães gostam de sermões em alemão, tal qual gostam da ordem que lhes é particular, como prezam os sefaradis de origem árabe seus costumes e particularidades. Opressão é opressão e os oprimidos se sentem oprimidos. Ninguém melhor do que integrantes do grupo PLAG ( Parentes of Lesbians and Gays) pode expressar isto numa linguagem simples. São estas pais parecidos às mães da praça de Maio? Do ponto de vista humano, sim. Afinal, o grande sofrimento humano é aceitar-se como se é para poder, só a partir deste conhecimento, tornar-se melhor, mais humano. Muitas vezes a diferença tem barreiras humanas dolorosas que devem ser respeitadas. Num relato cômico-trágico, um homossexual na cidade de São Francisco resolveu abrir seu coração a seu Zeide, a quem tinha como a pessoa mais importante. Parecia ser-lhe insuportável ser amado sem saber se o era por ser quem era ou se por ser alguém imaginário, que vinha de encontro a expectativas. Resolveu então levar seu avô à sinagoga gay de São Francisco e aproveitar o Shabat para abrir seu coração. E assim foi. Durante o serviço foi feita uma prédica sobre questões específicas da comunidade gay , grupos de ativistas fizeram anúncios e assim por diante. No final do serviço religioso, quando de volta para casa, perguntou a seu avô: "Nu, zeide, o que você achou?" Este, coçando a cabeça, comentou entusiasmado: "Gostei... gostei muito." Depois completou: "Eu reparei... você não acha que lá tinha alguns 'feigales'?"* Do ponto de vista humano o diálogo se processa entre a necessidade de se assumir a diferença e de que maneira a diferença impõe aos que não são diferentes uma obrigação de serem diferentes. Desde que ambos, diferentes e não-diferentes, se apliquem em sua humanidade, o resultado deste diálogo é o "bom futuro". O "mau futuro" é a notícia que não reflete esforço ou elaboração. DO PONTO DE VISTA DIVINO D'us fez o homem e a mulher e parou por aí, está escrito na Torá. Imaginou um homem e uma mulher que não corresponderiam exatamente às Suas expectativas. Como bom Pai/Mãe, deixou cair sobre os filhos o custo da diferença, mas aprendeu a amá-los a partir de quem se mostravam ser. Tão impressionante a força desta relação, que ela permitiu a existência da Torá, um código de fidelidade a esta relação que não era morto, como teria sido nas mãos dos anjos. Todo dia, a todo instante e em todos os lugares onde há seres humanos, a Torá está em jogo e o D'us vivo, em relação. D'us criou empatias sexuais para "pru ve-rubu": "frutificar e multiplicar". Prosseguimos com as leis da Torá como originalmente estabelecidas numa recordação da matriz das intenções - a intenção divina para sexo é a procriação. No entanto, é prática hoje em dia, não só de "idólatras", mas de bons judeus, de bons seres humanos, de judeus observantes da lei, experimentar no sexo o prazer com que o Criador nos presenteou, para além do objetivo procriador. D'us apresentou um projeto de estrutura familiar na Bíblia em que um homem casava-se com várias mulheres. Rabeinu Guershom ( que estabeleceu a monogamia no século XII para os judeus ashkenazitas ) enviou novas mensagens sobre a humanidade, ou parte da humanidade, ao Criador. Todas estas mensagens, no entanto, não contradizem a proposta do Criador, são todas interpretações de mandamentos positivos. "Multipliquem-se"
não é substituído por sexo, pelo carinho e prazer, nem um casamento monogâmico
quebra com os propósitos de juntar uma mulher a um homem. D'us ama suas criaturas e reconhece sua necessidade de crescer e se desenvolver. No Talmud, em um outro contexto totalmente diferente, quando rabinos optam por maior autonomia de D'us, ou seja, por maior auto-determinação no desenvolvimento de sua vida comunitária, D'us sorri e comenta "Nitschuni Banai", "Meus filhos Me venceram ( tem razão) ". Acho que D'us sorri não de humildade, pois este é um ideal muito humano para imputar a D'us. Acho que sorri com uma certa alegria desafiadora. "Ótimo...ótimo. De novo vocês optam por sair do paraíso. Vão ter que pagar seus preços. Mas contem Comigo. Já lhes dei a Torá, vou continuar dando a Torá. Esta será, no entanto, cada vez mais complexa...e sagrada." Pode estar nas
mãos dos homens/mulheres, se estes quiserem. Podem não querer e deixar
nas mãos de D'us. A resposta então se encontra acima. Podem, porém, como
disse, tomar a si esta responsabilidade. Afastam-se assim do paraíso,
mas, quem sabe, podem aproximar-se de dias Messiânicos. Rebi Zalman Schachter
certa vez escreveu: "Este Ser, ou a soma destes seres que chamamos Messias, está prisioneiro na superfície das tensões existentes entre pessoa e pessoa, homem e mulher, velho e jovem, rico e pobre, grupo e grupo, nação e nação. Sempre que a tensão é reduzida, de tal maneira que energia possa ser compartilhada, é realizado um salto quântico rumo a era messiânica. O futuro Messiânico, com suas bênçãos, espera por nós na outra margem de nosso despertar. Pois acendamos as velas de nossas almas e recebamos este Shabat." Não me cabe buscar definir neste momento o que é ser homossexual, passar julgamento sobre questões de uma era, ou iniciar um diálogo polemico. Está aí, ainda em nossos dias, colocada mais esta questão à espera dos grandes judeus que levando em conta os ensinamentos de D'us estejam prontos para discutir com Ele/Ela. O filósofo contemporâneo Franz Rosenzweig escreveu: "A alma de um grande judeu pode acomodar muitas coisas. Há perigo apenas para as pequenas almas." A ordenação de rabinos reformistas que assumem publicamente sua condição homossexual é com certeza uma decisão da "halachá do coração. Como explicou Rabi Samuel David Luzato, um erudito do século passado na Itália, em seu Iessodei Há-Torá ( Fundamentos da Torá): "A Torá está baseada em três fundamentos, o primeiro sendo da compaixão... A qualidade da compaixão é a raiz do amor, da generosidade e da verdadeira justiça." Não é uma decisão baseada na lei judaica e que carrega o peso da elaboração e da responsabilidade de "discutir com D'us". A nós cabe resgatar esta discussão para alem das polemicas sensacinalistas e trazê-las para nossa vida, nossa Torá. Elas são as causas de muitos de nossos irmãos e irmãs e nossa atitude deve ser a de não excluir ninguém. Tal como na construção do Mishkan ( do primeiro santuário), quando Moisés conclamou toda a comunidade a contribuir, assim devemos também aprender a incluir. Sem os favores da tolerância e sem a superficialidade fraternal deificada pela democracia, a questão é, sem dúvida, de Torá. E você? Quer saber
"Vos tutsich ba iénem in boich"( o que se passa na barriga do
próximo) para entrar na discussão ? Para ajudar num processo de Torá viva?
Comece se perguntando Vos tutsich ba dir in boich ? -- O que vai pela
tua própria barriga?
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